Condomínios de luxo perdem tração, mas preços seguem firmes

em Valor Econômico, 5/março

Setor ganhou impulso com isolamento social e segue aquecido no pós-pandemia.

O setor de condomínios e loteamentos no interior ganhou impulso na pandemia, quando ter uma casa de campo era uma forma de ter uma vida mais livre, mas ainda relativamente protegida, e tudo indicava que o trabalho em escritório não voltaria a ser tão presencial quanto antes.

Passados cinco anos do início da pandemia, o estoque de lotes disponíveis para venda, em loteamentos abertos e fechados, no país caiu de 243,8 mil no terceiro trimestre de 2020 para 157,6 mil no terceiro trimestre de 2024, dado mais recente da Associação das Empresas de Loteamento e Desenvolvimento Urbano (Aelo).

No mercado de luxo, os quatro principais condomínios próximos à São Paulo - Fazenda Boa Vista, Quinta da Baroneza, Fazenda da Grama e Haras Larissa - tiveram alta de procura e de preço, tanto por lotes quanto por casas prontas, afirma Marco Túlio, CEO da imobiliária Esquema Imóveis.

Ele explica que a pandemia igualou a liquidez entre os condomínios de alto padrão, favorecendo a venda daqueles que eram menos requisitados. “Cada um no seu valor, claro”. O Fazenda da Grama, por exemplo, era mais difícil de vender, segundo ele, mas se transformou com a pandemia e a piscina para surfe inaugurada em 2021. O mesmo vale para o Haras Larissa. “A pandemia reviveu esses condomínios”, diz. Boa Vista e Baroneza, já muito procurados, só subiram.

A situação não é mais a mesma. Embora o preço não tenha caído na mesma proporção que subiu, as vendas estão mais lentas e novos competidores nesse mercado de condomínios de luxo podem ter dificuldades. “Começou uma febre de inaugurar outros condomínios, que agora têm dificuldade para vender”, diz Túlio. “Esse mercado não é tão gigantesco assim.”

Irapuã Dantas, responsável pela área de ‘real estate’ da gestora CVPar, que também desenvolve casas em condomínios paulistas e em bairros ricos de São Paulo, afirma que houve o “efeito de manada” tão comum na construção civil. “Fazer casa no Boa Vista, no Baroneza, era o que dava dinheiro, aí começa uma superoferta”, afirma. Segundo ele, houve queda do preço do terreno - lotes que chegaram a R$ 2,5 mil m2 no Baroneza hoje custam R$ 1,7 mil m2, mas o valor das casas estagnou.

O trabalho híbrido ainda permite o movimento pêndulo entre casas no interior e na capital. Segundo a CCRCotação de CCR, que tem a concessão das rodovias Castello Branco, Bandeirantes e Anhanguera, principais ligações da capital com o interior, a pandemia e o trabalho híbrido, “bem como a migração de população para municípios do interior do Estado, alterou o comportamento dos clientes nas rodovias”.

Dados da empresa mostram que o horário de pico do trânsito na chegada à capital agora é mais longo de quarta e quinta-feira, dias mais intensos de trabalho presencial, do que de segunda e terça-feira. De quarta e quinta, vai das 6h às 12h, contra das 6h às 10h no início da semana. Às sextas, o movimento é similar ao de quarta e quinta, mas com “horário de maior movimento ligeiramente menor”, diz a empresa, em nota.

Para Beto Horst, sócio-diretor da loteadora Lote5, os empreendimentos no interior surgiram como um escape à sensação de violência e à poluição da capital, ao mesmo tempo em que têm logística melhor do que os destinos de praia, por causa do trânsito para entrar e sair da cidade.

Sua empresa se concentra em projetos para a classe média, para quem já vive nessas cidades do interior paulista ou deseja migrar para lá. Segundo ele, os preços de lotes para condomínios e loteamentos desse padrão ficaram mais “perenes” durante a pandemia e depois dela, diferentemente do setor de luxo. “Foi um momento de desespero da pandemia”, diz. “Aquilo não foi normal e criou preços artificiais”.

A velocidade de venda dos projetos da empresa tem respondido bem. Foram 14 loteamentos lançados desde o fim de 2020, que estão 79% vendidos, em média.

Caio Portugal, presidente da Aelo, afirma que a maior região em produção de loteamentos tem sido a de Campinas (interior de São Paulo). A cidade, de 1,1 milhão de habitantes, esteve com a aprovação de novos condomínios “engessada” por questões da prefeitura, o que estimulou esse mercado nos municípios no seu entorno. “Americana, Santa Bárbara D’Oeste, Sumaré, Monte Mor, Paulínia, Indaiatuba, todas tiveram crescimento horizontal, em detrimento de Campinas”, diz.

O setor ainda atrai novos competidores, de olho no desejo de fuga da cidade da classe média alta. A construtora Libercon, que faz projetos comerciais e residenciais, está estruturando uma área de loteamentos. Caio Rocha, diretor de incorporação, diz que há terrenos em tratativas avançadas. A empresa quer atuar nas regiões de Campinas, Bragança Paulista e Sorocaba, com foco em clientes com renda a partir de R$ 35 mil mensais.

Para ele, a concorrência no setor não é um problema, por ser muito pulverizada. “Têm poucos ‘players’ grandes e muitos pequenos, que vivem de dois loteamentos”, diz, e a demanda segue aquecida. “Todo fim de semana, formam-se grandes avenidas nas estradas, e o paulistano sai [da cidade]”, diz Paulo Liberatore, diretor administrativo da empresa.

Companhia por trás do Fazenda Boa Vista, a JHSFCotação de JHSF continua investindo no segmento, via expansões do seu complexo, que fica em Porto Feliz (110 km de São Paulo). “A procura por empreendimentos de campo não arrefeceu com o fim da pandemia”, disse, em nota, o CEO Augusto Martins.

O Fazenda, lançado em 2007, foi sucedido pelo Boa Vista Village, em 2019, e Boa Vista Estates, em 2021. Na pandemia, a empresa também começou a investir em casas prontas para locação, nesses condomínios. “As residências são entregues mobiliadas, decoradas e com enxoval completo e contam com concierge 24 horas por dia”, disse o executivo. Essa vertical, que também inclui o clube do grupo, gerou R$ 67,9 milhões em receita para a JHSF de janeiro a setembro de 2024, quase 9% da receita líquida consolidada no período.

Túlio, da Esquema Imóveis, ressalta que pessoas que nunca haviam morado em uma casa, ou pelo menos não após deixar a casa dos pais, e experimentaram isso na pandemia não querem voltar para apartamentos, ainda que tenham de viver nos grandes centros. Por isso, a procura por casas em São Paulo também cresceu, em bairros como Jardim Guedala e Cidade Jardim.


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