Lar, doce cofre

em O Globo, 25/maio

Blin­da­gem de cômo­dos cresce à medida que aumenta o con­sumo de itens de luxo no país.

Bol­sas, reló­gios, joias e itens de ves­tu­á­rio que cus­tam mais que car­ros: quanto mais arti­gos de luxo nos armá­rios, de mais segu­rança se pre­cisa. É essa neces­si­dade que faz aumen­tar a pro­cura por blin­da­gem de vidros e por­tas de clo­sets, que já con­quis­tou nomes como as influ­en­ci­a­do­ras Vir­gi­nia Fon­seca, Maya Mas­sa­fera e Fla­via Pave­nelli. Mas, segundo espe­ci­a­lis­tas, a inter­ven­ção pre­cisa ser feita com acom­pa­nha­mento pro­fis­si­o­nal para fun­ci­o­nar e não cau­sar danos estru­tu­rais ao imó­vel.

A quan­ti­dade de apa­ra­tos de segu­rança cha­mou a aten­ção nos vídeos do novo clo­set de Vir­gi­nia, que vira­li­za­ram na inter­net nas últi­mas sema­nas. Em um deles, a influ­en­ci­a­dora conta que ins­ta­lou vidros blin­da­dos no espaço para arma­ze­nar suas bol­sas e joias do valor de um carro impor­tado. A nova rai­nha da bate­ria da Grande Rio optou ainda por gave­tas com tra­vas ele­trô­ni­cas, que só abrem com car­tões mag­né­ti­cos, e um sis­tema de moni­to­ra­mento de câme­ras em todo o espaço.

As apre­sen­ta­do­ras Ana Hick­mann e Maya Mas­sa­fera bus­ca­ram o mesmo tipo de pro­te­ção. Mas a pri­meira influ­en­ci­a­dora a cha­mar a aten­ção pelo cui­dado com seus obje­tos pes­so­ais foi a atriz Fla­via Pava­nelli, que ins­ta­lou jane­las e uma porta blin­dada com con­trole por senha na entrada de seu quarto. Em uma entre­vista ao pod­cast No Lucro, da CNN, no fim do ano pas­sado, Pava­nelli con­tou que já inves­tiu apro­xi­ma­da­mente R$ 5 milhões no espaço.

—Por isso que tudo é blin­dado —afir­mou.

No vídeo em que mos­trou o local pela pri­meira vez, publi­cado em seu canal no You­Tube em setem­bro de 2020, Pava­nel­lil des­ta­cou a fun­ci­o­na­li­dade da porta e expli­cou que, além do con­trole por chave, tem acesso ao equi­pa­mento por um apli­ca­tivo que a avisa toda vez que hou­ver um acesso ao ambi­ente.

O arqui­teto e urba­nista Gus­tavo Poz­zato conta que, no Bra­sil, são ven­di­das por­tas blin­da­das de dife­ren­tes níveis. As mais sim­ples têm pro­te­ção anti­ar­rom­ba­mento. Outras, mais pode­ro­sas, são à prova de balas.

—Basi­ca­mente, a pes­soa está trans­for­mando o espaço em um cofre — explica Poz­zato, ao comen­tar o efeito da ins­ta­la­ção em locais espe­cí­fi­cos como os clo­sets.

Este não foi o único obje­tivo do empre­sá­rio Bruno Ave­lar, de 39 anos, quando ins­ta­lou uma porta blin­dada na entrada de seu clo­set. Ave­lar diz que, mais do que um local seguro para seus arti­gos de ves­tu­á­rio, sua inten­ção era criar um bun­ker que pode­ria ser­vir de abrigo para a famí­lia, caso haja uma inva­são no imó­vel.

— Que­ria um local para pro­te­ger minha famí­lia em um caso de extrema urgên­cia. Depois da ins­ta­la­ção, tenho mais tran­qui­li­dade quando estou em casa, sen­sa­ção de pro­te­ção, paz. Nem ins­ta­lei outros equi­pa­men­tos de segu­rança por­que sinto que com a porta blin­dada não pre­ciso de mais nada — conta Ave­lar, que tem mais espa­ços blin­da­dos na casa, mas pre­fere não reve­lar quais.

De acordo com os dados mais recen­tes do Anu­á­rio Bra­si­leiro de Segu­rança Pública, foram regis­tra­dos 24.951 rou­bos a resi­dên­cias em 2023. Mas o espe­ci­a­lista em segu­rança pes­soal e segu­rança fami­liar Gus­tavo Caleffi pon­dera que blin­dar clo­sets não é garan­tia de pro­te­ção em uma inva­são domi­ci­liar.

—Para usar o local como escon­de­rijo, como um quarto do pânico, a pes­soa pre­cisa estar acor­dada no momento da vio­la­ção e com a famí­lia no mesmo cômodo. Uma opção que pode ser mais efi­caz é a blin­da­gem das por­tas de entrada do imó­vel. Mesmo assim, é impor­tante que o pro­jeto tenha o acom­pa­nha­mento de um pro­fis­si­o­nal da área da segu­rança, para defi­nir a estra­té­gia de acordo com a planta do imó­vel— alerta Caleffi, dizendo que a ins­ta­la­ção sem ori­en­ta­ção pode tra­zer uma falsa sen­sa­ção de segu­rança. —Quando a pes­soa acha que está segura sem estar, é pior, por­que é aí que ela baixa a guarda e fica mais vul­ne­rá­vel.

Conhe­cido como “o cara dos bun­kers” e dono da empresa Fort­tus, espe­ci­a­li­zada em blin­da­gem, Ricardo Moura cal­cula que já fez mais de 700 clo­sets pelo país com a segu­rança refor­çada. Os pre­ços, diz, podem variar de R$ 20 mil a R$ 300 mil, depen­dendo do tama­nho e do nível de blin­da­gem. Ele atri­bui o aumento da pro­cura pelo ser­viço a uma mudança nos padrões de con­sumo, em que as pes­soas estão inves­tindo em itens de ves­tu­á­rio cada vez mais caros.

— Hoje as pes­soas têm mui­tos pro­du­tos de valor, como joias, reló­gios, bol­sas, sapa­tos, cin­tos, per­fu­mes. Jun­tando tudo, fica impos­sí­vel guar­dar den­tro de um cofre de modelo usado tra­di­ci­o­nal­mente — ava­lia Moura, que já fez pro­je­tos para uma adega de vinho sub­ter­râ­nea e des­pen­sas de cozi­nhas e foi o res­pon­sá­vel pelo pro­jeto de blin­da­gem das por­tas do ves­ti­á­rio do San­tos no está­dio da Vila Bel­miro, mudança capi­ta­ne­ada pelo pai do joga­dor Ney­mar, após o retorno do joga­dor ao clube, no começo do ano.

O influ­en­ci­a­dor Lucas Ama­deu optou por ins­ta­lar por­tas blin­da­das na entrada de seu apar­ta­mento. A deci­são sig­ni­fi­cou gas­tar R$ 50 mil para tro­car as de madeira pelas com pro­te­ção balís­tica.

— Tenho um cui­dado além do neces­sá­rio, mas pre­firo me pre­ca­ver. É triste ter que pas­sar por isso, ter porta blin­dada em casa. Não é motivo de orgu­lho, até por­que paga­mos impos­tos para ter segu­rança pública. Mas infe­liz­mente isso não acon­tece —lamenta.

Clínica reforçada

O reforço não é só nas pare­des domés­ti­cas. O den­tista Mar­cio Kubitski blin­dou uma das salas de sua clí­nica para guar­dar equi­pa­men­tos de maior valor. Alguns cus­tam mais de R$ 200 mil.

—Opta­mos pela sala-cofre por­que infe­liz­mente inva­sões e arrom­ba­men­tos em esta­be­le­ci­men­tos comer­ci­ais estão cada vez mais fre­quen­tes. Tive a clí­nica fur­tada duas vezes e aprendi — conta Kub­tiski, que pre­tende agora inves­tir em uma porta blin­dada para sua casa.

Mas para quem deseja refor­çar a segu­rança de seu imó­vel, o pre­si­dente da Asso­ci­a­ção Bra­si­leira de Enge­nhei­ros Civis do Rio de Janeiro e Ins­pe­tor do Crea-RJ, Cláu­dio Dutra, alerta que a ins­ta­la­ção de uma porta blin­dada não pode ser feita sem a super­vi­são de um enge­nheiro. Dutra lem­bra que nor­mal­mente elas pesam dez vezes mais que uma porta comum, muito além da sobre­carga cal­cu­lada para o pré­dio no momento da cons­tru­ção:

— O pro­fis­si­o­nal ficará res­pon­sá­vel por cal­cu­lar se a troca vai deman­dar um reforço da estru­tura da cons­tru­ção. A ins­ta­la­ção de forma inde­pen­dente pode pare­cer não tra­zer um pro­blema na hora, mas causa fis­su­ras e danos estru­tu­rais a longo prazo. Não adi­anta se pro­te­ger da vio­lên­cia mas estar em um ambi­ente inse­guro na ques­tão estru­tu­ral.


Ver online: O Globo