Lucro e vendas das incorporadoras sobem no 2º tri, com ajuda do Minha Casa, Minha Vida

em Valor Econômico, 19/agosto

Manutenção da Selic é ponto de atenção para o setor, mas demanda tem respondido bem.

Os juros mais altos do que inicialmente previstos, a desvalorização do real e a tragédia do Rio Grande do Sul que afetaram a maioria das empresas de capital aberto no segundo trimestre tiveram pouco ou nenhum efeito sobre as incorporadoras. De forma geral, o setor apresentou um segundo trimestre positivo, tanto nos resultados financeiros quanto nas vendas, com o programa Minha Casa, Minha Vida (MCMV) favorável às companhias, mesmo diante dos juros elevados para financiar um imóvel.

Levantamento realizado pelo Valor Data com 30 companhias de capital aberto, listadas e não listadas, mostra aumento 67% no lucro líquido dessas empresas, na comparação com o segundo trimestre de 2023, para R$ 1,3 bilhão. A receita líquida avançou 26% no mesmo intervalo, somando R$ 13,86 bilhões.

As vendas líquidas avançaram 29% entre as incorporadoras do segmento econômico, que comercializam no MCMV, e 24% no segmento de média e alta renda — esses dados correspondem ao consolidado de 22 companhias do setor, que divulgaram suas prévias operacionais.

Os lançamentos cresceram 37% entre as empresas do MCMV, mas caíram 14% no médio e alto padrão. Para André Mazini, analista de real estate do Citi Brasil, os novos projetos em São Paulo foram atrapalhados pela demora na regulamentação da outorga onerosa, taxa paga à prefeitura para construir acima do limite básico, segundo o Plano Diretor revisado da cidade. Sem conseguir aprovar empreendimentos pelo novo plano, mais vantajoso, as empresas tiveram de aguardar.

A Cyrela foi uma das companhias de médio e alto padrão que reduziu os lançamentos no trimestre, em 59%. Bruno Mendonça, analista do Bradesco BBI, lembra que a empresa também tinha empreendimentos na fila para serem lançados no Rio Grande do Sul, que tiveram de ser adiados pelas enchentes de maio.

Mesmo assim, a companhia foi mais uma vez o destaque desse segmento do mercado, com lucro líquido “incrível”, segundo Mazini, de R$ 412 milhões, alta de 47% no ano. A empresa está “melhor do que a média do mercado”, de acordo com o analista.

As enchentes também afetaram a incorporadora gaúcha Melnick, que adiou todos os lançamentos do trimestre e teve prejuízo de R$ 29 milhões. Em nota, a Melnick destaca que fez três lançamentos em julho, dos quais 40% já estão vendidos, e que o ritmo de suas obras já se aproxima do pré-enchente, “sinalizando o retorno à normalidade das operações”.

Foi má notícia para o setor de média e alta renda a decisão do Copom de manter a Selic em 10,5% ao ano, com risco de elevação. A expectativa anterior era que a redução paulatina da taxa básica de juros levaria a uma queda no custo do financiamento imobiliário, importante para o segmento. Agora, Mendonça afirma que “dificilmente” a taxa deva cair, mesmo em 2025 - ele ressalta que a opinião é pessoal, e não do banco.

Para o analista, o segmento está “bem, apesar de um monte de poréns”, e resta a dúvida de quanto ainda será possível subir o preço dos lançamentos. Mazini concorda que uma taxa mais alta pode segurar o crescimento do setor de média e alta renda.

Fora do radar de quem acompanha as grandes incorporadoras de São Paulo, a Moura Dubeux tem conseguido destaque. A empresa atua no Nordeste, com menos competição, e faz parte dos seus projetos pelo sistema de condomínio fechado, no qual os compradores pagam o valor total da unidade durante a obra, o que diminuiu o impacto dos juros sobre o negócio.

"Segmento de média e alta renda vai bem, apesar da série de poréns” — Bruno Mendonça

Havia uma preocupação sobre a “profundidade” do público para condomínio fechado, lembra Mendonça, mas a Moura já ultrapassou, e muito, sua meta do IPO, em 2020, de fazer R$ 400 milhões ao ano em lançamentos no formato: chegou a R$ 1 bilhão no ano passado. “Ela tem entregado absolutamente tudo o que prometeu no IPO e mais”, afirma o analista do Bradesco BBI.

No segmento do MCMV, Cury e Direcional se mantêm como destaques positivos, a primeira elogiada pelos incrementos de volume de operação e a segunda pela velocidade de venda crescente, sem perder margem. Mazini nota que o sistema usado pela Cury para compra de terrenos, que privilegia permutas e pagamento apenas após a aprovação do projeto, tem se espalhado pelo setor, por preservar o caixa. Tenda e MRV relataram privilegiar novas compras nesse modelo.

Ambas tentam retomar a lucratividade. O caminho parece mais fácil para a Tenda, aponta Mazini, mas quem aposta contra a MRV também corre riscos. “Se acontece a transação da Resia, a ação sobe 20% em um dia”, diz.

Resia é a subsidiária americana da MRV&Co, e a diretoria da holding tem dito há meses que busca um “parceiro estratégico” para o negócio, grande consumidor de caixa nos últimos trimestres. O mercado lê essa afirmação como a busca por um comprador. Mazini afirma que transações desse tipo têm ocorrido com mais frequência no “sun belt” (cinturão do sol) americano, no sul e sudoeste do país, que é a área de atuação da Resia. “Tem gente alocando capital no setor”.


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