Mercado financeiro americano atravessa momento que lembra 2008

Por Henrique Meirelles

em Estadão, 16/março

O Brasil saiu rapidamente da crise de 2008, mas as lições que ela deixou deveriam ser levadas em conta.

Uma reportagem de The Wall Street Journal mostrou que o mercado americano de produtos financeiros lastreados em empréstimos, dívidas e financiamentos está em expansão. Vejo isso com preocupação, pois foram operações deste tipo os vetores da crise de 2008, uma das mais graves do nosso tempo e com consequências catastróficas.

Segundo o WSJ, o mercado destes títulos totalizou US$ 335 bilhões no ano passado. A reportagem foi a um evento de investidores e confirmou que a maioria deles acha que desta vez será diferente e continua a tomar este tipo de risco.

Em 2008, os EUA vinham de anos de juros baixos. Os bancos concediam financiamentos imobiliários a taxas baixas e sem exigir comprovação de renda, operações que ficaram conhecidas como empréstimos subprime. Resultado: os americanos passaram a financiar cada vez mais casas e o mercado imobiliário se expandiu.

Os bancos – muitas vezes sem o conhecimento de seus conselhos – criaram títulos lastreados nestas carteiras de empréstimos imobiliários. Investidores compravam estes títulos, confiando na força do mercado imobiliário.

Como contei em meu livro, Calma sob pressão, percebi algo errado quando fui a Nova York em 2007, como presidente do Banco Central. A motorista do carro que me apanhou no aeroporto era brasileira e contou que tinha duas hipotecas: usava o aluguel de uma casa para pagar as prestações da outra. Pensei: “Não tem como isso dar certo”. Pesquisas com os bancos confirmaram minha impressão.

Apesar de o Fed ter elevado os juros no último ano, manteve as taxas baixas durante alguns anos devido à pandemia Foto: Andrew Harnik/AP

Em 2008, os preços do mercado imobiliário estagnaram, a inadimplência cresceu e os títulos viraram pó. Alguns dos maiores bancos, como o Lehman Brothers, quebraram. O governo americano teve de injetar cerca de US$ 1 trilhão para salvar o mercado mundial.

Hoje, a situação tem certa similaridade. Apesar de o Fed ter elevado os juros no último ano, manteve as taxas baixas durante alguns anos devido à pandemia, o que levou ao ressurgimento deste tipo de investimento.

O Brasil foi afetado pela crise de 2008 porque os bancos americanos fecharam os canais de crédito internacionais que representavam cerca de 30% do total. Empresas brasileiras que apostaram que o dólar não subiria sofreram prejuízos enormes e provocaram uma crise quando o dólar disparou.

O mercado brasileiro só se acalmou quando, depois de mapear o tamanho do problema com bancos centrais de outros países, avisei que o Banco Central venderia até US$ 50 bilhões no mercado de derivativos naquele dia. O Brasil saiu rapidamente da crise de 2008, mas as lições que ela deixou deveriam ser levadas em conta.


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