Falta de trabalhador especializado afeta construção civil

em Valor Econômico, 16/agosto

Com mercado de trabalho aquecido, setor enfrenta escassez de mão de obra em todos os níveis, principalmente em grandes projetos.

Em meio ao aquecimento da construção civil e um mercado de trabalho dinâmico, empresas do setor já se queixam da dificuldade de encontrar mão de obra em geral e principalmente trabalhadores qualificados. Segundo os dados recentes da Sondagem da Construção do FGV Ibre, a escassez de mão de obra é apontada por quase 30% das empresas como uma das principais dificuldades enfrentadas no momento.

Segundo executivos do setor, o cenário tende a gerar gargalos, principalmente com o andamento do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), do governo federal, e a solução mais viável é acelerar o processo de industrialização da construção civil.

Um dos pontos que líderes das empresas têm notado é a falta de interesse dos jovens em trabalhar na construção, algo que vem sendo observado também em outras indústrias. “As dez maiores indústrias no mundo, e isso se reflete na mesma proporção aqui no Brasil, hoje sofrem problemas de escassez de mão de obra pela questão geracional”, diz Cristiano dos Anjos, CEO da Kingspan Isoeste, líder global em construtivos isotérmicos, com cinco fábricas no Brasil.

“Tem a questão de a construção civil tradicional ser um serviço fisicamente pesado, e as novas gerações têm evitado esse tipo de trabalho.”

Na construção civil tradicional, explica dos Anjos, a porta de entrada para iniciantes costuma ser a função de servente de pedreiro, mas hoje um jovem consegue ganhos similares trabalhando como motorista ou entregador de aplicativo. “Acaba ganhando igual ou mais que um servente sem precisar fazer trabalho pesado debaixo do sol. Entra no fator do que as pessoas estão almejando para a qualidade de vida delas”, diz.

Segundo José Ricardo Reichert, diretor industrial da Eternit, tradicional fabricante de telhas de fibrocimento, o problema da escassez de mão de obra na construção e na indústria em geral se intensificou após a pandemia, quando muitos profissionais migraram de carreira. Ele diz que a região onde a empresa encontra mais dificuldades hoje é no Centro-Oeste.

“As novas gerações são mais influenciáveis em relação às novas tecnologias, como automação, IA e indústria 4.0. Como a construção civil ainda mantém um viés conservador, a dificuldade que temos pela frente é justamente a de capturar e reter uma mão de obra com este perfil”, conta Reichert.

Para contornar o problema, o diretor industrial da Eternit comenta que a empresa monitora permanentemente o mercado em termos de remuneração e benefícios e tem buscado investir mais em automação.

"Querendo ou não, a falta de qualificação afeta muito o mercado” — Bruno Cardoso

“Contudo nosso processo não nos ajuda muito, pois já temos poucas pessoas por linha ou turno. Em resumo, o desafio permanece e a Eternit continua na busca de soluções, como todo o setor de construção”, afirma.

Já na Kingspan Isoeste, a estratégia é investir na industrialização do segmento, incluindo a formação de mão de obra qualificada, essencial para a expansão da empresa no país - a fabricante produz material no segmento de paredes e telhas térmicas ainda pouco conhecidos no mercado residencial brasileiro, embora em outros lugares do mundo já esteja bem consolidada.

“Como a mão de obra que precisamos já é mesmo de uma outra característica, temos que fazer os nossos treinamentos constantes e temos empresas parceiras. É uma mão de obra diferente”, diz o CEO da companhia. “O pedreiro que quer se atualizar consegue gerar um valor agregado melhor, constrói mais rápido, o que é muito melhor para o empreiteiro”, complementa Cristiano dos Anjos.

Bruno Cardoso, de 29 anos, hoje proprietário da empresa de médio porte Smart B Serviços e Construções, conta que começou a trabalhar no setor aos 18 anos com métodos construtivos tradicionais e, no meio do caminho, percebeu que precisava se atualizar sobre as inovações para prosseguir no setor. Como técnico de edificações, trabalhou como encarregado e não sofria tanto o desgaste físico da construção de alvenaria tradicional, mas notava muito demora, desperdício e, consequentemente, custos elevados nas obras.

“Antes, numa obra similar usávamos dez trabalhadores. Com o sistema de materiais industrializados utilizamos quatro. Uma atividade para montar telhado com telha de cerâmica levava 90 dias, e hoje consigo fazer em 30 dias. Isso ainda diminui o valor com a mão de obra, os encargos e o transporte”, diz Cardoso.

Cardoso também tem dificuldades de expandir o quadro de funcionários devido à escassez de trabalhadores preparados para atuar com as novas tecnologias de construção mais industrializada. “Querendo ou não, a falta de qualificação afeta muito o mercado. A construção civil ainda é um mercado muito decadente. Mas é um setor que sempre vai existir e precisamos de gente, mesmo que a inovação permita fazer o mesmo com menos pessoas.”


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