VCA Construtora: juros altos vão frear mercado imobiliário
em Folha de São Paulo, 30/agosto
Apesar do otimismo do mercado no ano passado com o setor de construção civil, o presidente da construtora e incorporadora nordestina VCA, Jardel Couto, vislumbra um cenário desafiador à frente para o mercado imobiliário.
Um dos motivos que deu fôlego para o setor em 2023 foi o início do ciclo de queda da taxa básica de juros, Selic, que agora foi interrompida por duas reuniões seguidas do Copom (Comitê de Política Monetária) do Banco Central. O colegiado endureceu o tom em suas últimas comunicações e já diz que a possibilidade de uma nova alta está na mesa.
No ano passado, o índice que mede a valorização de ações do setor na Bolsa de valores, o Imob, foi o que mais subiu entre os índices da B3. Neste ano, ele cai cerca de 5%.
"Essas oscilações [do mercado] e mudanças abruptas impactam diretamente no planejamento estratégico de longo prazo", diz Couto. Para ele, a tomada de dinheiro a um juro mais alto pelas empresas vai frear a construção civil.
Executivo de um setor cujo ciclo é de longo prazo, já que envolve todo um processo de mapear e comprar terreno, construir e vender o empreendimento, Couto afirma que, mesmo com o crédito subsidiado, como no programa Minha Casa, Minha Vida, os consumidores serão afetados.
Couto acredita que nem o segmento de alta renda, que costuma ser mais resiliente aos juros altos, vai escapar. "O mercado de alta renda ficou tanto tempo estagnado que agora está aquecido. Isso de certa forma maquia a realidade. Mas até quando ele permanecerá aquecido? É uma dúvida". Confira esse e outros trechos da entrevista.
A VCA tem apostado em empreendimentos fora do padrão visto no mercado hoje. Como vocês chegaram a isso?
Nós conseguimos trazer um pouquinho do conceito da startup para a construção civil. É algo que é mais fluido, mais leve. Essa é a nossa característica. Começamos a ter foco no cliente e no que ele quer. Quando fizemos isso, conseguimos enxergar que ele queria um produto diferente do que era produzido.
Então, começamos a trazer o conceito de fechadura eletrônica para dentro da casa, porque nós vendemos a ideia de que a pessoa não precisa mais de chave. Começamos a trazer os interruptores conectados ao wi-fi, a Alexa [da Amazon] já no próprio projeto, tomada inteligente.
Não tem nada melhor do que estar na rua, clicar em um botão e, ao chegar em casa, o seu café já estar feito, porque você deixou a cafeteira na tomada inteligente. E eu estou falando de um produto de entrada, estou falando de produtos abaixo de R$ 200 mil.
Todos os empreendimentos da VCA têm essa marca da tecnologia presente?
Todos têm, mas com linhas diferentes. Quanto maior for o padrão, mais tecnologia embarcada ele tem. Mas todos os nossos condomínios já têm reconhecimento facial do morador, reconhecimento da placa do veículo, que lá no Nordeste ainda é novidade. E conseguimos trazer essa casa inteligente para todos os padrões e de uma forma que ela é única.
Como vocês conseguem fazer isso de forma acessível?
A VCA faz produtos que vão de R$ 50 mil a R$ 850 mil. Desde o mercado do cliente que quer investir até o que pensa em moradia ou casa de praia. E o nosso pensamento desde o primeiro momento foi tentar trazer um preço justo. Então nossas margens são exprimidas, menores, mas consigo vender em quantidades maiores.
Geralmente, nossos empreendimentos têm acima de 250 unidades. Nunca é um empreendimento pequeno. Então, tem que ter uma quantidade maior de pessoas morando para suas despesas diminuírem. Assim é possível ter um produto, muitas vezes de entrada, com piscina semiolímpica, academia...
E qual é o perfil principal do público da VCA?
Nós temos produto de tudo quanto é jeito, para tudo quanto é gosto e bolso. O cara que recebe um salário e meio consegue comprar um imóvel da VCA, que é destinado para ele. O cara que tem renda de R$ 30 mil, tem um produto para ele.
Uma característica nossa é o parcelamento próprio. A VCA é uma das poucas construtoras do Brasil que consegue financiar o cliente. Então, temos a opção de parcelamento através de uma instituição financeira convencional, mas também fazemos esse tipo de parcelamento. Isso agrega um público que não tem o perfil bancário ou que quer ter um pagamento mais fluido.
Analistas mudaram as projeções para a taxa Selic e agora estão prevendo que os juros no fim do ano devem ser maiores do que o esperado inicialmente. Como isso afeta vocês?
É fé que chama, né? É fé. Um dos fatores do setor da construção civil mais complexos é não ter a previsibilidade. Quando tem um mercado que você consegue enxergar como ele vai se comportar, é muito mais fácil. Mas essas oscilações, essas mudanças abruptas, impactam diretamente no planejamento estratégico de longo prazo e dificilmente a empresa vai conseguir transpor isso no mercado consumidor.
Quando você pega juros que impactam diretamente na quantidade de consumidores que poderão comprar o produto, é necessário na construção civil o fomento de muito valor para que o produto consiga ser entregue. E você vai ter uma tomada de dinheiro a um custo maior. Tudo isso vai impactar e vai frear a construção civil.
Você acredita que o setor todo vai ser impactado? Porque a alta renda é mais resiliente aos juros altos e a baixa renda também, por causa dos juros subsidiados do Minha Casa, Minha Vida, por exemplo.
Isso é um paradoxo, sabe? Porque esses juros vão impactar todos os perfis de público. É uma ilusão a gente achar que esses juros subsidiados ao consumidor final é capaz de suportar os problemas que os juros altos vão ter para as companhias. O cliente ok, ele está sendo subsidiado, mas a companhia não. Então, ela está pegando juros altos. E isso vai frear o mercado.
A expectativa no início do ano era que os juros iam descer dessa casa dos dois dígitos, que realmente é incômoda para qualquer segmento, só que depois isso não se tornou realidade. Essa oscilação complica demais no desenvolvimento do melhor trabalho. E isso impacta tanto que vai haver dúvida até de qual produto será possível ofertar. Porque não adianta só o consumidor conseguir comprar o produto de entrada. Talvez ele não esteja comprando o melhor produto que poderia ser ofertado, por causa desse impacto que está tendo de juros.
A VCA está sentindo esse efeito da dúvida de qual produto entregar ao mercado?
No passado, eu falava em entregar um produto de dois quartos com suíte em uma das melhores localizações da cidade. Hoje já falo em dois quartos sem suíte e numa localização diferente. Nós já tivemos que reduzir um pouco o padrão. Então, quem sofre com isso no frigir dos ovos é o consumidor final, por mais que ele esteja sendo subsidiado.
E quando você falou que a alta renda não sofre, isso também é ilusório. Porque o mercado de alta renda ficou tanto tempo estagnado que agora está aquecido. Isso de certa forma maquia a realidade. Mas até quando ele permanecerá aquecido? É uma dúvida.
A VCA nasceu em 2017 e a gente sabe como o ciclo do setor de construção civil é longo. Então, em alguns empreendimentos vocês estão completando o ciclo agora. De lá para cá, o que mudou no mercado?
Quando nós ingressamos, foi após um período de crise. O mercado estava com um nível de oferta muito elevado, todo mundo com muito produto em estoque. Mas o mercado consumidor tinha mudado, só que o produto não tinha como mudar, porque estava em estoque, já estava pronto. E aí a VCA começou a encontrar algumas brechas. Nós começamos a trazer o novo, o inédito, e o consumidor entendeu isso.
O mercado estava oferecendo quarto sem suíte. Nós começamos a fazer com suítes. A área de lazer não era tão robusta, então nós começamos a trazer uma área de lazer instagramável. E nós começamos a mexer com o brilho de uma comunidade que até então muitas vezes não era olhada. Ela tinha que ter uma moradia qualquer antes e nós começamos a trazer um produto que fazia mais sentido na cabeça do consumidor. Junto com isso vieram os bairros planejados, que é o conceito de uma cidade mais inteligente, com uma visão urbanística diferente para a cidade, com muito lazer.
Então vocês conseguiram se inserir no mercado bem em um momento de transformação no perfil de consumo. Que mudança é essa?
Nós percebemos que de 2017 para cá, o consumidor está muito ávido pela experiência. Hoje as pessoas querem mostrar que moram bem, que vivem bem. O cliente quer novidade. Por isso o micromarketing de trazer essas lojas de conveniência 24 horas para dentro do condomínio.
E mesmo vendendo um condomínio com apartamento compacto, precisa ter na área de lazer qualquer oportunidade de o cara usar o espaço. Então, quero cozinhar, tem a cozinha [compartilhada]. Quero assistir ao futebol, tem TV. Começamos a investir muito nessa questão da experiência.
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